Revista Frutas Legumes e Flores. Edição n.º 154

Frutoslegumeseflores
Reportagem RTP – Portugal em Direto, emissão de 2014/09/22
23 Setembro, 2014
Revista O Sulco – John Deere
1 Outubro, 2016

A vida ao ritmo do figo-da-índia

A produção comercial de figo-da-índia ainda é relativamente recente em Portugal, mas apresenta potencial para resultados interessantes e tem vindo a crescer. Em alguns casos, esta cultura regida pelo sol, que exige atenção constante e cuidados pormenorizados, está a suscitar mudanças radicais de modos de vida.

Depois de um percurso pela engenharia mecânica e a consultoria informática, descontente com o seu rumo profissional, Nuno Pires decidiu mudar literalmente de vida. Depois de ter ouvido falar do figo-da-índia (Opuntia ficus-indica), recolheu mais informação sobre esta cultura, frequentou formações e falou com outros produtores.
Em 2013, rumou com a mulher, Cristina Simões, para Cortiçadas de Lavre, a meio caminho entre Coruche e Montemor-o-Novo. Aí, numa propriedade familiar, preparou o terreno e começou a plantar cladódios (palmas) de figueira-da-índia, das variedades laranja e roxa. Um ano depois tinha sete hectares plantados e actualmente conta já com mais de 15 hectares, certificados em modo de produção biológico e com rega gota-a-gota. No total, já investiu 215.000 euros, recorrendo apenas a capital próprio.

Mergulhar de cabeça

A cultura recebe toda a atenção do casal, que mora na exploração. «Apostámos exclusivamente no figo-da-índia. O resultado poderá depender disso – poderemos obter mais algum rendimento. No nosso caso, mergulhámos de cabeça. Achámos que era uma boa aposta. E não estamos nada arrependidos – pelo contrário.»
Para já, o objectivo da Diálogos do Bosque é comercializar o fruto para consumo em fresco e material de propagação. Contudo, Nuno Pires, de 43 anos, reconhece que existem outras possibilidades de aproveitamento comercial, que não exclui: palma para alimentação animal (forragem/silagem), flores para chás, sementes para extracção de óleos para fins cosméticos. E as possibilidades de aplicação têm vindo a multiplicar-se. O fruto é em geral canalizado para consumo em fresco, mas abaixo de um determinado calibre é escoado para transformação (para bebidas, compotas, gelados, iogurtes, gomas…). A polpa e o sumo do fruto são também usados em cocktails. Existe também o pastel de nata de figo-da-índia (apresentado no ano passado) e um pastel de palma (apresentado este ano).
Foi uma combinação de vários factores que levou à escolha do figo-da-índia. Desde logo, «o fruto tem enorme potencial», diz o produtor. «É extremamente rico em antioxidantes e vitaminas e tem um paladar agradável e riquíssimo. É pouco conhecido.» Nuno Pires destaca ainda o potencial que esta planta tem para fazer face às alterações climáticas, por se dar bem em condições de clima mais seco e instável. Trazido do México para a Europa na altura dos Descobrimentos, o figo-da-índia foi usado para alimentação animal e mesmo humana, mas a sua produção para fins comerciais só surgiu nas últimas décadas. O México é o principal produtor mundial da cultura, seguido da Itália – onde, na principal zona produtora, a Sicília, existem produtores com plantações de 100 hectares de figo-da-índia.

Acompanhamento constante

Na Diálogos do Bosque, a plantação foi feita com duas palmas paralelas (em sebe) ou com quatro palmas em círculo na cova – neste último caso, dispostas em quadrícula: com uma distância na entrelinha e no compasso de 6,5 metros. Da palma inicial vão nascendo outras, cuja evolução o produtor tem de controlar, acompanhando constantemente a cultura. As podas, que também fornecem material de propagação, são essenciais para garantir o crescimento adequado: não se pode deixar ultrapassar uma determinada altura, para facilitar a apanha; deve-se retirar as palmas que estão a crescer para o interior da planta ou para baixo, para abrir a planta e deixar entrar luz.
Depois, quando as temperaturas começam a subir, surge o fruto, num ponto aleatório da palma. Em seguida, no topo do fruto, surge a flor que, eventualmente, cai. O fruto vai amadurecendo e quando atinge a coloração adequada e ganha uma forma regular no topo está pronto para ser colhido.
A planta entra em produção-cruzeiro no quinto ou sexto ano. Nuno Pires refere que, em plena produção, pode obter-se 20 a 30 toneladas por hectare, conforme as condições – nomeadamente tipo de solo (arenoso será o mais adequado), nutrientes, exposição solar e drenagem (que evite água em excesso). Em Portugal, o Alentejo e o Algarve são «zonas de excelência» para esta cultura, pelas temperaturas mais elevadas e pela maior exposição solar.

Aposta na exportação

A cultura é protegida de predadores indesejados (como javalis e coelhos) com redes ovelheiras e coelheiras e cães de guarda. Para cativar auxiliares, foram instaladas sebes – por exemplo, de framboesas, amoras, groselhas, arónias, mirtilos e goji. Na preparação e fertilização dos terrenos são usados fertilizantes naturais (de cavalo) e adubos orgânicos. Grande parte do custo da cultura vai para o controlo de infestantes, salienta Nuno Pires.
Do total da área, quatro hectares são usados para produzir material de propagação (com uma maior densidade de plantas), mas também fornecem alguma fruta. O produtor indica que as variedades mais usadas actualmente são de origem italiana. Não optaram pela variedade verde (a mais disseminada em termos selvagens), porque «o fruto não é tão apelativo como o das outras» e tem a pele mais sensível. Nuno Pires possui autorização de viveirista de material de propagação de figo-da-índia, «para já» destinado apenas ao mercado nacional, para outros produtores, mas a exportação é uma hipótese no horizonte.
A Diálogos do Bosque já teve produção de fruto em 2014, mas foi toda encaminhada para oferta, para transformação e para a campanha O figo-da-índia vai à escola (ver caixa). O primeiro ano efectivo de comercialização será 2015, «na óptica de exportar», afirma o produtor. «O nosso objectivo é vender para o mercado internacional. Será a forma de conseguir o melhor valor para o fruto.» Para tal contam com os contactos «muito interessantes» que efectuaram na edição deste ano da Fruit Logistica, feira que decorreu em Berlim no início de Fevereiro. Já têm encomendas, com quantidades e calendarização especificadas.

Organizar a fileira

Exotic Fruits NewFlavors é uma cooperativa de produtores de figo-da-índia constituída em Portugal no ano passado. Tem actualmente 77 produtores associados, que reúnem 160 hectares plantados. A cooperativa visa, entre outros pontos, agrupar oferta e organizar o escoamento ao nível nacional, pelo que pretende ter instalações próprias. Em 2014, a sua primeira recepção de fruto – com uma máquina para remover os gloquídios desenvolvida por um produtor – funcionou provisoriamente na Diálogos do Bosque (Nuno Pires é vice-presidente da Assembleia). Foram reunidas 1,2 toneladas de fruto e grande parte foi usada na campanha de divulgação O figo-da-índia vai à escola, promovida pela cooperativa. Em 2015, a recepção vai funcionar em Vimieiro, concelho de Arraiolos, na exploração de Teresa Laranjeiro, presidente da direcção da cooperativa. Entretanto, está a ser preparado um projecto, para candidatura a subsídios, que visa criar instalações próprias da entidade, com condições de recepção, armazenamento em frio, processamento (separação de grainhas para óleo, extracção de polpa…) e transformação. A intenção é «ter vários pontos de entrega, cada um com os equipamentos necessários, a nível nacional, mediante a dispersão de produtores», assinala Nuno Pires. Em Portugal, a área média por produtor é de dois hectares. Porém, realça Nuno Pires, em Portugal «o volume de produção vai subir exponencialmente, porque a planta aumenta muito a sua capacidade de produção de ano para ano». Além disso, «há imensos projectos de implementação de pomares», alguns com áreas de 10 hectares ou mais. «Isto pode crescer de forma exponencial. Era bom para o sector, porque era mais uma forma de exportação. Temos um clima óptimo para produzir figo-da-índia e facilmente ultrapassávamos a Itália. E temos extensões que não estão a ser aproveitadas, no Alentejo e no Algarve. Temos fruta de qualidade. O problema é não termos oferta. Não temos produção em quantidade, porque não há organização. Quando a fileira estiver mais madura, organizada – o que ainda não está; as coisas estão a andar mais devagar do que o expectável –, Portugal poderá ser uma alternativa credível à Itália.» Como alguma da fruta entregue em 2014 não chegou nas condições ideais, a cooperativa vai promover formação sobre a colheita (momento correcto) e o manuseio (colocar a fruta numa só camada, evitar choques, evitar exposição solar…). Aliás, uma das vertentes da entidade é realizar acções de formação, bem como fornecer apoio técnico, tendo também já elaborado um manual técnico da cultura. A cooperativa tem em curso vários contactos com «um grande distribuidor nacional» e com entidades internacionais para escoamento da fruta. «Para termos uma cooperativa com uma estrutura comercial adequada é preciso investimento. Somos pequenos produtores e que não têm capacidade para o fazer. Fazia sentido haver alguns contactos comerciais há mais tempo.» Em Portugal existe ainda a Aprofip – Associação de Produtores de Figo-da-Índia Portugueses que é uma associação que tem como fim o apoio técnico, jurídico e outros aos seus associados, no âmbito da implementação, manutenção, exploração e comercialização da Figueira-da-Índia (Opuntia Ficus Indica) e produtos derivados.

O problema da mão-de-obra

Normalmente, a colheita tem início em Agosto e pode chegar a Novembro ou até mais tarde. Em 2014, a maturação atrasou, mas este ano, como «há temperaturas muito altas, é expectável ter produção mais cedo, na segunda quinzena de Julho», comenta o empresário.
A Diálogos do Bosque, tem neste momento capacidade instalada para cerca de 450 toneladas. A colheita é manual e requer equipamento de protecção: óculos, luvas e roupa adequada. Na altura da colheita vão ser necessárias cerca de 20 pessoas por dia, a quem é prestada formação, e a tendência é contratar trabalhadoras femininas. Como a cultura do figo-da-índia exige muita mão-de-obra e esta é «escassa» na região, Nuno Pires está a considerar recorrer a uma empresa de trabalho temporário especializada em agricultura.
A colheita tem de ser diária e, segundo Nuno Pires, com a capacidade instalada irá atingir-se uma média de cinco toneladas por dia. O fruto deve ser colhido cedo, quando está mais fresco: de madrugada até cerca das 10 horas ou mesmo de noite – por ser mais fácil evitar problemas com os gloquídios, os picos do fruto –, com iluminação individual, explica.

Processo cuidado

O facto de ser colhido no estado de maturação ideal permite prolongar o tempo de vida do fruto, o que é potenciado pelo cuidado no seu manuseamento, durante e após a colheita. Na Diálogos do Bosque, os frutos são apanhados para um tabuleiro, só com uma camada, para posterior triagem por calibres. Nesta campanha, os gloquídios vão ser removidos num protótipo concebido por Nuno Pires, por insatisfação com os equipamentos disponíveis para este fim. Em seguida, o fruto será seco num túnel de vento (com ar à temperatura ambiente) e embalado em caixas de cartão – com alvéolos específicos para figo-da-índia (para cada fruto ficar isolado), só com uma camada –, que serão arrumadas e expedidas dentro de uma caixa de cartão reforçado e com perfurações. Todo este processo vai decorrer no armazém entretanto construído dentro da exploração.
A expedição será feita no próprio dia, em frio controlado (entre 6 a 8 ºC) – o ideal será existir também controlo de humidade –, através de uma transportadora contratada que faz a recolha na exploração. Segundo este produtor, em condições de temperatura e humidade ideais, o tempo de vida do fruto até ao consumo pode chegar aos dois meses. Nesta campanha, a selecção por calibre ainda será manual, mas existe a perspectiva de em 2016 já ser automática, com a aquisição de uma máquina de calibração de fruta, de origem nacional, adaptada ao figo-da-índia.
Na Diálogos do Bosque existe área para crescer (estão a ocupar 50% da área disponível) e intenção de o fazer. Entretanto, estão em processo de certificação em Global GAP, que deverá ficar concluída nesta campanha. Uma campanha que será decisiva para o futuro desta empresa.

Carlos Afonso

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