Em 2013, Nuno Pires e a sua esposa resolveram mudar radicalmente de vida e trocaram o rebuliço da cidade grande para se dedicarem à produção de figos da Índia em Cortiçadas de Lavre. Começaram com quatro hectares, mas nos dias de hoje a extensão da zona de produção já atinge os 30 hectares que têm uma capacidade de produção que pode ir até às 900 toneladas de frutos.
Para revelar o seu projeto, Nuno Pires aceitou falar com os repórteres da Folha e explicar como conseguiu por de pé um empreendimento de sucesso que produz frutos de elevada qualidade e que dá emprego permanente a cinco trabalhadores, mas que podem chegar às várias dezenas na época da colheita.
Quem são as pessoas por detrás deste projeto?
Sou eu e a minha mulher que estamos cá de forma permanente. Somos pessoas que estávamos ligados a outras atividades. Tivemos conhecimento destas produções através de um irmão da minha mulher que nos falou de plantações de figo da Índia que na altura, em 2011, estavam numa fase inicial. Por um lado, achei a atividade interessante e como estava numa fase da minha carreira onde me sentia bastante saturado com a atividade que desenvolvia já ao longo de muitos anos, sem ter tempo para nada. Por outro lado, conciliámos o facto de esta propriedade estar subaproveitada e decidimos mudar de vida; apresentei a carta de demissão e avancei para este projeto.
Achou que a atividade era rentável?
Fizemos uma avaliação da rentabilidade do projeto. Visitei os principais produtores a nível mundial, fui aos mercados onde eles colocavam a fruta e avaliar o valor a que essa fruta estava a ser comercializada, bem como os custos que estavam inerentes à própria produção e achei que valia a pena avançar porque nós temos em Portugal condições excecionais para o desenvolvimento desta planta. Relativamente ao custo de produção um dos principais fatores é a manutenção do pomar por estarmos em modo de produção biológica que necessita de um controlo permanente sobre as infestantes (ervas daninhas), o que requer um trabalho ao longo do ano inteiro porque o terreno está fértil. Temos também de fazer a manutenção das próprias plantas que necessitam de podas ao longo da sua formação. Esta é uma planta que necessita de ser podada todos os anos para se manter saudável e maximizar a exposição solar a que a planta deve estar sujeita porque ela produz nas áreas que estão expostas ao sol. Todo o processo de produção é feito de forma orgânica, sem recurso a qualquer produto químico. O processo está sujeito a várias análise ao longo do ano, tanto no solo, às infestantes, como à água para verificar se existem resíduos, como ao próprio fruto por parte das entidades que adquirem a nossa produção, como a Jerónimo Martins, para garantir que a fruta que vendem está isenta de qualquer produtos não autorizado. No nosso país esta questão da agricultura biológica é levada a sério, mas já aqui na vizinha Espanha o processo é duvidoso.
Como é que chegam ao consumidor, depois de efetuarem a produção?
Temos contratos com empresas de distribuição que trabalham connosco, e temos transporte próprio quando as quantidades são relativamente pequenas, o que nos permite o fornecimento direto. Quando as quantidades ultrapassam certos limites temos contratos com empresas transportadoras que efetuam o transporte. Para os clientes internacionais, a situação é idêntica e temos muitos casos em que são os próprios clientes que vêm cá buscar a fruta.
Em que zonas do país se consome o figo da Índia?
Neste momento já se consome em todo o país. Está a haver um maior conhecimento no país sobre o figo da Índia que é fruto de várias campanhas que têm sido feitas, com o por exemplo ‘o figo da Índia vai à escola’, iniciativas que temos patrocinado. Estas campanhas permitem dar a conhecer o fruto não só às crianças, mas também aos pais, o que permite atingir várias gerações. Também têm aparecido várias reportagens sobre o fruto o que tem permitido alargar o mercado. Contudo, a maior parte dos figos que hoje existem no mercado nacional são importados e, se as pessoas provam e não gostam, acabam por ficar com uma má impressão, quando o nosso é muito diferente.
Quanto é que da vossa produção vai para o estrangeiro?
No momento cerca de 50% da nossa produção vai para o estrangeiro. Chegar a esses mercados foi uma batalha que fizemos à nossa custa. Fomos às maiores feiras internacionais que comercializam frutas e legumes, e fizemos o trabalho de casa de forma a identificar quais as empresas que valorizavam mais este tipo de frutos, considerados tropicais ou exóticos. Numa primeira abordagem selecionamos cerca de 50 empresa que acabaram quase todas por nos aceitar como parceiros. A dificuldade agora é temos quantidade suficiente para abastecer toda a procura que nos está a chegar. Neste momento, nos 30 hectares, temos capacidade instalada para produzir 900 toneladas de figo da Índia por ano, em condições ótimas. Nós temos pomares em diferentes estados de evolução, o que significas que já temos alguns na sua produção máxima, enquanto outros ainda estão numa fase de evolução. Para tratar os frutos desenvolvemos internamente uma linha de limpeza de figos da Índia que é única em Portugal, onde tem a parte de receção da fruta, limpeza e calibração automática e embalamento. Com esta linha, temos mais capacidade do que aquilo que podemos produzir, pelo que demos oportunidade a outros produtores de utilizar essa linha de produção e pudessem escoar a sua produção por nosso intermédio. Nós deslocamo-nos às explorações que aceitaram esse modelo para recolher essa fruta e neste momento já temos cerca de 100 produtores que pretendem colaborar connosco.
Que propriedades têm o figo da Índia e qual a sua utilização?
Onde conseguimos maior rentabilidade é no fruto em fresco, pois é uma fruta de mesa com elevados padrões de qualidade. Quando falamos em exportação, esse padrão tem de ser muito elevado, pois temos no mercado os italianos estão bastante cimentados e integrados em toda a distribuição, e para os conseguirmos ultrapassar temos de os superar pela qualidade. Numa primeira fase tivemos de nivelar em termos de valor, até as pessoas terem a perceção de que existe de facto uma grande diferença de qualidade entre os nossos frutos e os deles. Quando isso estiver concretizado, podemos valorizar ainda mais o fruto. Para além do fruto em fresco, os frutos abaixo das 90 gramas são utilizados para transformação, para sumos, em águas (com sabor a figo da índia). O forte são os sumos e as compotas, os licores, os concentrados e os xaropes. Existem depois subprodutos, para quem tem necessidade de extrair a popa. Um dos subprodutos são as sementes, que depois de devidamente secas e limpas, delas obtém-se um óleo bastante valorizado quer para a indústria farmacêutica quer para a cosmética. O figo da Índia tem muito e boas propriedades antioxidantes.
Com que área começaram?
No ano de arranque eram só quatro hectares, depois fomos crescendo todos os anos. Tivemos muito trabalho com a desmatação, com a preparação do terreno, que não é arável, com o desbravar do terreno, com o arrancar de cepos, colocar vedações, sistemas de rega etc. As coisas foram feitas de uma forma sustentada e gradual.
Qual o investimento que já foi feito até agora?
Umas largas centenas de milhares de euros, tendo em consideração toda a infraestrutura, não foram só as plantações, foram as vedações, o equipamento, a maquinaria, armazéns, tudo isso. Para o ano vamos instalar painéis fotovoltaicos para baixarmos o custo com a energia elétrica, pois as máquinas de frio consomem muita energia. Não podemos esquecer que são frutos perecíveis e que precisam de temperaturas relativamente baixas entre os seis a oito graus para se conservar durante o verão.
Já conseguem ter algum lucro?
Já vamos tendo algum, não pela produção de fruta, mas por complemento com o fornecimento de material de propagação. Como somos viveiristas é o que tem no fundo equilibrado as contas, nesta fase em que a produção não é muita. Na figueira-da-índia é normal começar haver produção significativa a partir do terceiro ano, atingindo a maturidade a partir do sexto, sétimo ano. É uma planta que tem uma capacidade de adaptação tremenda, consegue sobreviver em cima de pedras, de telhados por vezes, mas para produzir fruta, de uma forma rentável, precisa de facto de muitos nutrientes e é exigente a esse nível, ao contrário do que muita gente pensa por ver a planta aí no estado selvagem. Estas são plantas que atingem por vezes algumas centenas de anos.
Como surgiu o nome da vossa empresa ‘Diálogos do Bosque’?
O nome não tem nada de muito criativo, pois como criámos a empresa na hora, implicou que não podessemos escolher o nome que nós pretendíamos e tivemos que escolher um nome de uma longa lista que nos foi fornecida, e limitados pelo tempo tivemos a ver qual o que se enquadrava mais naquilo que pretendíamos e escolhemos um nome ‘Diálogos do Bosque’.
Manuel Filipe Novo
A. M. Santos Nabo